...para eu ir assistir a um show da Daniela Mercury. Me ligaram na segunda-feira para dizer que era a felizarda ganhadora de quatro ingressos para ver de pertinho a verdadeira rainha do axé brasileiro. Pulei de alegria e convoquei três amigas para dançar o ilê-ayê na terça-feira à noite. O show estava marcado para às 21h. Melhor chegar umas 20h e pouco, já que tenho que pegar os ingressos antes, pensei, com a mentalidade londrina que aos poucos vai tomando conta. Nem chegamos tão cedo assim: 20h30 estávamos na porta do Guanabara, a versão londrina do Scala. Meu nome estaria na "guest list", e a ela me dirigi. Um rapaz com um moicano super estiloso me recebe, falando em inglês. Eu digo que ganhei ingressos, em inglês, "I won". Moicano, esperto, me indica, em inglês, a bilheteria. Não, repito, "I won". Rapazinho, tirando uma onda de que não entendia o meu inglês com sotaque brasileiro, estava a pensar que eu queria ingressos ("I want"). Não, não quero, ganhei ingressos e sou VIP, moicano, me deixe entrar logo. Moicano custava a acreditar em mim. Nessa altura, ele resolveu revelar que era brasileiro também - como se ele ainda não tivesse percebido que, pelo meu nome e dado o evento ao qual eu comparecia, enormes eram as chances de compartilharmos da mesma nacionalidade - e falou em português claro: "seu nome não está na lista". Ah, moicano, eu realmente estou tentando dar uma de malandra numa terça-feira chuvosa tentando fingir que sou VIP para ver a Daniela Mercury de graça.
A brincadeira já durava uns 10 minutos e começava a perder a graça. Moicano me irritava sobremaneira pedindo pra eu dar licença pras outras pessoas passarem. Resolvi, pois, ligar para o Scala londrino e reclamar meus direitos. Cinco minutos depois, chega a mocinha brasileira, "oi, tudo bem?", como se nada tivesse acontecido. Reclamei, claro, e ela se desculpou, falha deles. Tudo bem, deixei pra lá, afinal estava adentrando o Scala para ver a rainha do axé, sem motivos para me aborrecer.
Show marcado para às 21h, certo? "De que horas" o show foi começar? 22h50. Dani se achando a rainha da cocada preta. Não sei se eles atrasaram tanto o show com a esperança de a casa lotar para Daniela não chorar diante do menor público de sua vida; se queriam que a galera gastasse dinheiro no bar matando saudades do Brasil bebendo Brahma e comendo pão-de-queijo ou se eles queriam mesmo dar uma lição na Dani e deixar ela aprender que não, não é ninguém, para que ela passasse pela experiência de ter metade do seu público debandando em massa às 23h40. O metrô em Londres fecha meia-noite, as pessoas precisam voltar pra casa, mas os produtores brasileiros (aposto que o Moicano fazia parte dessa galera) não pensaram nisso, é claro. E metade do povo foi embora com apenas 40 minutos de apresentação...
Mas, tirando tudo isso, até que o show foi legal. Voltei aos meus 8 anos de idade quando passava tardes fazendo coreografias para "quem é que sobe a ladeira" e "deixa eu curtir o ilê e o charme da liberdade". Daniela, aliás, só cantou essas músicas velhas e de outros artistas. Até começou a cantar uma música nova, acho, lenta, mas desistiu no meio e mandou "zuzuzubaba". Disse que cantaria a música lenta em outro lugar. E despediu-se, às 1h15 da manhã, com "o canto dessa cidade é meu", lembrando a todos nós, brasileiros morando longe de casa, que nunca estamos sós, porque sempre teremos o canto das nossas cidades. Poesia pura.