quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Os homens de sunga

"Eu sou do Rio". Pronto. Basta dizer essa frase a qualquer brasileiro (não carioca, obviamente) que conheço por aqui para ser recebida com um sorriso amarelo, quando não com uma cara feia. Parece que não gostam muito dos cariocas. Há uns meses, conheci dois meninos do interior paulista num trem. Ficaram surpresos ao descobrir de onde eu era: "nossa, até que você não fala muito daquele jeito nojento". E, como se não estivessem diante de uma (das mais orgulhosas, ainda por cima!), desandaram a falar mal dos cariocas, que somos metidos, antipáticos, insuportáveis. Foi tão surreal eles não terem a menor cerimônia com a minha presença, que achei graça e deixei que continuassem. Eles propuseram, então, um teste para comprovar a minha carioquice, pedindo que eu falasse "esqueci o isqueiro na esquina da escola". E eu falei, cheia de orgulho do meu sotaque chiado. Naturalidade confirmada, o assunto acabou, não quiseram mais interagir comigo. Noutro dia, tem pouco tempo, conhecemos um grupo de latinos num bar. Entre eles, havia um brasileiro. Eu, do alto de toda minha antipatia carioca, tava sem o menor saco para interagir, mas ele veio me perguntar de onde eu era. Resposta concedida, ele vira pra mim: "Ah, eu moro perto". Achei que ele fosse dizer algo do tipo "em Botafogo". "Você sabe o Espírito Santo? É um Estado, fica do lado do Rio, um pouco mais pra cima. A capital é Vitória, mas eu sou de Vila Velha, que é um porto. Já ouviu falar?". Eu não. Achava que só existia o Rio no Brasil.

Como se já não bastasse ter que ouvir a mesma coisa a cada vez que falo pra um gringo que sou brasileira ("jura? deve ser uma loucura, festa, carnaval, drogas, sexo e mulheres de biquini o dia todo!"), ainda preciso lutar contra os estereótipos que os próprios brasileiros - e os latinos - têm contra nós, cariocas inocentes. E dentro da minha casa! Jantavam aqui, além de mim e roomate chilena, uma mineira, uma mexicana e um argentino. Não sei como, o assunto "moda praia" entrou em pauta, a mineira dizendo que apenas as cariocas usam biquini fio-dental, as mineiras, capixabas, pernambucanas e etc jamais! O argentino, que já visitou o Brasil algumas vezes, contou que se sente um alien quando vai à praia de bermuda no Rio, cercado por homens de sunga. Foi então que descobri que, ao menos para chilenas, mexicanas, mineiras e argentinos, não é normal homem usar sunga na praia - é brega, feio, estranho, desconfortável para quem usa e para quem vê, argumentaram. Eu nunca tinha parado pra pensar nisso, já que, como boa carioca, estou mais do que acostumada a ver pessoas com pouca roupa. Disse que não achava nada demais. Mas eles insistiram. E eu parei de discutir, blasé como devem ser aqueles nascidos na cidade maravilhosa.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

The Cat and the Cucumber

Segunda-feira de manhã, cortina do banheiro instalada, tomávamos café da manhã felizes, contando, inclusive, com a companhia do proprietário do apartamento, que, depois dos consertos, se sentou com a gente. O turco estava de bom humor e resolveu nos falar sobre as belezas de seu país natal, tentando nos convencer a visitar a Turquia agora, porque é a melhor época, nem muito calor, nem muito frio. Estávamos até começando a esquecer do surto anterior - na véspera da nossa mudança, quando às 22h da noite ele ligou querendo que a gente lavasse pratos no restaurante no dia seguinte! - quando de repente, não mais do que de repente, uma mulher abre a porta da nossa casa. Gritando num idioma irreconhecível, joga duas notas de 20 pounds no chão da nossa cozinha. O turco, então, se levanta, como se não fosse nada, recolhe o dinheiro e tira do bolso um outro punhado, que entrega à mulher. Sem entender absolutamente nada do que havia acabado de se passar, roomate e eu nos olhamos, nos interrogando acerca de inúmeras questões: quem é essa mulher? como assim ela abriu a porta da nossa casa sem bater? porque diabos ela tacou dinheiro no chão da nossa cozinha? o que foi isso? A única pergunta respondida foi a primeira: a mulher é a esposa do turco, e, aparentemente, trabalha com ele no restaurante também. Depois do ocorrido, ele até tentou fazer graça, dizendo que ela estava com ciúmes, mas, diante de nossas caras de poucos amigos, começou a se desculpar sem parar. Reclamamos, dissemos que era um absurdo alguém abrir a porta sem bater, mas não nos restou muita alternativa a não ser dizer que tava tudo ok. Algo me diz que esse será apenas um dos muitos momentos memoráveis da vida em cima do "The Cat and The Cucumber"...

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Do lado de dentro

Sempre reclamei da falta de tempo em terras estrangeiras, que as horas corriam mais rápido do que o normal e que os minutos gringos eram mais curtos do que os brasileiros. Agora que tenho uma “casa”, engraçado, o tempo já não parece mais acelerado. Não apenas a percepção temporal se tornou habitual, como também tenho a sensação de estar vivendo num lugar de verdade. Saí de um museu e agora há mulheres grávidas nos ônibus, crianças brincando de pique-esconde nos corredores do prédio, vizinhos que dão bom dia, motoristas que não param no ponto, engarrafamentos intermináveis, máquina de lavar que quebra, água quente que esfria... Londres agora parece uma cidade menos de fantasia e mais real.