quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Sobre acentos e lavagens de janela

Eu não falo inglês tão mal assim. Mas bastou chegar à terra da Rainha para ver que também não falo assim tão bem. O imperialismo norte-americano arruinou meus anos de estudo em um instituto britânico, me ensinando a falar tudo da maneira como eles não falam por aqui. Aprendi muito mais a falar com os personagens dos filmes e seriados que inundam e destroem a cultura e a identidade nacionais do que com minhas queridas professoras da Cultura Inglesa. O fato é que, mesmo estando aqui há quase um ano, às vezes não entendo absolutamente nada do que as criaturas estão tentando dizer. Bem como nem sempre entendem meu maravilhoso sotaque plural, que mistura entonações do português, do francês, do inglês falado nos EUA e até do espanhol que se habla en Chile. Outro dia, voltando do supermercado, andava na rua conversando - em inglês - com roomate e uma mulher nos parou para perguntar se éramos italianas. Ok. Nosso sotaque é tão exótico a ponto de atrair a atenção de pessoas aleatórias no meio da rua.

O consolo é que, no caldeirão cultural que é Londres, existem sotaques de todos os tipos e formas, como o do proprietário do nosso apartamento, o turco, que fala em inglês como se pertencesse a uma tribo indígena, sem verbos conjugados e tal. É um drama a nossa comunicação. Especialmente ao telefone. Falar ao telefone aqui é o verdadeiro drama, não há nada que eu odeie mais. Porque, ao vivo, a leitura labial muito te ajuda a entender o que as pessoas dizem. Pelo telefone, é um verdadeiro exercício de imaginação. Quando procurávamos apartamento, roomate e eu brigávamos para ver quem seria a próxima a telefonar. A cada ligação, éramos recebidas com um sotaque diferente (e há vários, aqui, além dos estrangeiros, do norte de Londres, da Irlanda, da Irlanda do Norte, da Escócia, cada um mais difícil de entender do que o outro). Para marcar uma visita ao apê, era diversão pura. O cara dizia o nome da rua. A gente não entendia nada. "Você pode soletrar, por favor?". A gente continuava sem entender nada. A solução era tentar adivinhar quais letras ele estava dizendo e depois checar no Google. O resultado da brincadeira foi que nos perdemos ao menos duas vezes.

Eu, que sempre achei super glamouroso o sotaque britânico, já não vejo mais tanta graça assim em falar como se houvesse uma bola de tênis em sua boca. O bom é que estou ficando cada vez melhor em decifrar sotaques e só sofro mesmo para falar ao telefone. Mas é engraçado ver como algumas pessoas, ao notarem que você não é daqui, se esforçam para se fazer entender. Hoje mesmo, estava saindo de casa de manhã, quando dou de cara com um senhor no corredor. Ele vem me dizer que é pai do nosso vizinho e que vai lavar o lado de fora do apartamento do filho, será que eu me importo se ele lavar o nosso também? Diante da minha cara de quem não tava entendendo nada, ele começou a fazer gestos com as mãos, simulando uma lavagem de janela. Eu tinha entendido, moço. Só fiquei sem reação porque não entendi porque diabos alguém quereria lavar a janela do apartamento de pessoas desconhecidas. Mas tudo bem, fique à vontade.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

In the cold november rain

Essa é a música que não sai da minha cabeça, desde que o mês começou, trazendo de volta o tempo que faz a fama de Londres, o frio que faz o corpo doer, a chuva que não cessa, o vento que bate e machuca. Choveu por oito dias consecutivos, sem trégua, sem nem um pedacinho de céu azul pra contar história. Tudo cinza. Às 15h já está ameaçando escurecer. Não é exagero. Inevitável é não perder a noção do tempo, não pensar que a madrugada se aproxima, quando ainda nem é hora do jantar. Inevitável é não deixar a melancolia tomar conta, não ser invadida por uma nuvem cinza, e não ficar pensando em como os poetas têm razão de usar a chuva, o frio, a noite, como metáfora para a tristeza. Inevitável é não escutar Los Hermanos no ipod, enquanto vejo as pessoas apressadas através da janela molhada do ônibus, pensando que a minha pressa é outra, que não quero ir pro mesmo lugar que elas. O consolo é que nada dura para sempre na chuva fria de novembro. Daqui a pouco a maré vira.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Qual é o pente que te penteia?

Como não fiz promessa para santo nenhum, achei que era de bom tom, depois de quase um ano sem fazê-lo, finalmente cortar o meu cabelo. Queria apenas me despedir das pontas, já em estado de arear panela, e fui incentivada por roomate, que resolveu cortar uma franja. A verdade é que fugi dos salões durante esse tempo todo porque não confio em cabeleireiro gringo, que só corta cabelo liso, loiro e lindo. O meu cabelo não nega, preciso de especialistas sensíveis. Pois então, o salão escolhido foi o Hair By Fairy, mas por motivos que nada têm a ver com expertise em cachos: é barato e fica num dos lugares mais fofos de Londres, em Neal's Yard, um bequinho super colorido onde tem até um restaurante brasileiro vegetariano.

Cidade cosmopolita, a moça que lavou meu cabelo era espanhola, e a que cortou, japonesa, loira e ondulada. Quando me viu, japinha arregalou os olhinhos puxados, e me fez uma pergunta que as pessoas adoram fazer por aqui: é de verdade? Se ela soubesse que venho do país da escova progressiva, entenderia que, se meu cabelo fosse originalmente liso, jamais eu faria qualquer coisa para cacheá-lo. Expliquei que, sim, os cachos são naturais. "Desde quando você era criança?", espantou-se. Aham, embora eu tentasse disfarçar. Ela me contou, então, que nunca havia visto cachos tão certinhos, nem aqui, nem no Japão (porque será?). Fiquei feliz com o elogio e deixei a moça cortar um pouco mais do que eu queria, já que acho que estou deixando meu cabelo crescer de novo, mas tudo bem, ao menos me livrei das pontas malditas.

Deixei também que ela brincasse com meu cabelo, no final, botando na minha cabeça todo o volume que ela gostaria de ter na dela. Ela se empolgou, com uma mousse, soltando meu cabelo com os dedos e abrindo todos os meus cachos, deixando um efeito de "frizz" que eu tanto adoro. Tava achando graça, porque eu já sabia que seria assim, disse que gostei, até dei uma gorjeta, porque ela era legal, a japinha. Mas saí do salão e prendi o cabelo imediatamente até chegar em casa, usar meu creme e deixar meus cachinhos do jeito que eu gosto, estilo menos Tina Turner. Pente japonês não me penteia, fato.


sábado, 1 de novembro de 2008

Trick or tits?

Sexta passada, estava no banho, quando escuto baterem na porta com força. Achei que estava alucinando, já que não esperávamos ninguém. Quando saio, encontro roomate nervosa, me relatando o que havia acabado de acontecer. Ela foi até a cozinha quando bateram e abriu a cortina para ver quem era, quando quase morre de susto, pobrecita: eram três monstros! Tínhamos esquecido totalmente que era Halloween e que, no país onde estamos vivendo no momento, eles mantêm a tradição. Ela, então, abriu a porta para as crianças, que, sem cerimônia, entraram na cozinha. Engraçadinhos, até, três garotos com idades entre 9 e 11 anos. Balas chilenas distribuídas, eles quiseram mais, porém. O menorzinho deles virou para roomate e mandou: "Can I see your tits?". É isso mesmo! Ele pediu para ver os peitos de roomate!!! Boquiaberta com a falta de noção, ela expulsou os três monstrinhos, que nem de fantasia precisavam. Depois, ainda recebemos mais algumas crianças que queriam doces, mas vou contar que achei a tradição um tanto quanto assustadora. Abrir a porta para pessoas desconhecidas vestidas de fantasmas, bruxas, monstros e afins? Tudo bem que são crianças, mas eu tô fora. Halloween é o cacete! :)